A Logística da Informação
A medida que os mercados se sofisticam, com uma demanda por nível de serviço cada vez mais elevada, empresas e consumidores buscam definir suas prioridades e direcionar seus esforços para que a oferta de um não apenas case com os anseios atuais do outro, mas para explorar o que a tecnologia atual permite, mesmo quando não se tem absoluta certeza do resultado que se vai alcançar.
Neste contexto, a logística explora e estimula o uso dos recursos mais avançados, gerando novos modelos de distribuição ou coleta, mecânicas de armazenagem e alimentação da produção ou, simplesmente, acelerando o fluxo da informação associada a seus processos.
Este último aspecto, a exigência de que a informação esteja de fato disponível no momento mesmo em que cada etapa do processo logístico acontece, é por si só um universo aberto à inovação que nos sugere a brincadeira do título. Não se trata mais, ou pelo menos não somente, da informação que se refere à logística, mas à logística da informação, a avaliação, desenvolvimento e implementação das tecnologias que permitirão que o tráfego da informação sobre os processos logísticos seja rápido o suficiente, que a capacidade de armazenar gigantesca quantidade de informação e de encontrar a partir da mesma os dados precisos de que se necessita para a tomada de decisão a cada instante, resultem numa logística ótima e adequada os novos tempos.
Coleta, transporte e entrega: Um pouco mais de informação
Partindo do pressuposto de que o leitor é profissional de logística, certamente estará familiarizado com o modelo básico de transporte que é utilizado num processo B2B. Uma empresa embarca um conjunto de produtos tendo por destino outra empresa, utilizando um modal qualquer. Enquanto os produtos trafegam, a demanda por informação é atendida de forma objetiva. Ao emitir a nota fiscal, o embarcador envia ao destinatário o XML da NFe (ou pelo menos assim deveria fazê-lo), de forma que este já sabe que, a princípio receberá a entrega “x” dias ou horas depois, conforme o acordo existente. A primeira dificuldade ocorre exatamente neste ponto. O governo estima que apenas 50 % dos destinatários recebem os XMLs das NFes emitidas contra eles. Vamos voltar a este ponto mais adiante. Além disso, a emissão da nota fiscal não é sinônimo de embarque. Este, no entanto, pode ser sinalizado por outro documento vinculado ao SEFAZ, ambiente que concentra a operação dos documentos eletrônicos de caráter legal. Trata-se do MDFe, Manifesto Eletrônico de Documentos Fiscais, emitido pela transportadora como um manifesto de carga. O envio deste para ambas as pontas do processo informaria ao gestor na origem e no destino sobre o início efetivo do transporte. Isso porém ainda não está sendo utilizado em larga escala. Ao longo do trajeto, a transportadora é a fonte primária das informações. Ela pode manter veículos rastreados ou monitorados, recebendo dados de geolocalização do veículo em trânsito ou a partir do celular ou de equipamento embarcado que é acionado em pontos estratégicos do percurso. Pode também simplesmente solicitar ao motorista que ligue a cada “y” período de tempo, ou a cada marco predefinido do roteiro. Ou ainda, pode receber informação da passagem do veículo por pedágios (por meio de sistemas de bilhetagem automática), tendo com isso o controle da viagem. É razoavelmente comum a transportadora ter estes dados, porém curiosamente incomum repassá-los, seja ao embarcador ou ao destinatário da carga. Em geral, em transportadores ou operadores logísticos minimamente organizados, há um sistema que acumula estes dados, mas na maioria das vezes, obter informações segue sendo um sacrifício para os interessados, às vezes, até mesmo dentro da transportadora. Falta treinamento e motivação, recursos financeiros, técnicos e humanos para criar mecanismos de integração simples, que implementem o fluxo dos dados e o tratamento dos mesmos gerando informações.
Neste processo, muitas vezes o embarcador busca manter os dados disponíveis, eliminando a intermediação da transportadora, contratando diretamente a empresa de tracking, ou disponibilizando um ambiente para a entrada direta de dados a partir de ações do motorista. Mas possivelmente a maior revolução neste contexto se dá a partir do uso pelo destinatário da Manifestação do Destinatário, novamente um recurso disponibilizado no ambiente SEFAZ, cujo caráter legal viabiliza a eliminação da demanda pelo retorno do canhoto de DANFE assinado. Este retorno físico do canhoto é um dos elementos mais anacrônicos de nossos processos logísticos, já que, de fato, toda a informação pode transitar pelo canal eletrônico disponível, com toda a segurança inclusive quanto a assinatura, o que auxilia tanto o embarcador como o destinatário. Ao utilizar a MD, a informação de entrega flui em tempo real, sem intermediários, entre o destinatário e o embarcador. A transportadora também pode ser contemplada pelo modelo, substituindo-se a necessidade de carimbo e assinatura do canhoto (ou verso) do conhecimento (ou DACTE).
À medida que a informação se torna mais urgente, migra-se de uma política de controles para avaliar e redefinir procedimentos para processos decisórios “on the fly”, ou permitindo antecipar ações que permitam que o planejamento logístico se concretize sem sobressaltos.
Coisas que falam, coisas que escutam
Convencionou-se chamar de Internet das Coisas a capacidade de associar inteligência a objetos em geral, por meio de tags eletrônicos que, por meio da emissão e/ou captação de sinais, dispostas em ambiente sem fio que também permita a leitura ou envio de dados, podem efetivamente conversar, identificando-se e definindo fluxos e processos. Um pequeno exemplo é a possibilidade de, num supermercado, o carrinho de compras sendo levado por entre as gôndolas sinalizar ao consumidor a localização de determinados produtos, a lista do que já contém, ou o valor acumulado do que foi colocado no carrinho, pela simples leitura (via RFID) dos sinais emitidos pelos produtos e pela integração ao sistema gestor do ponto de consumo.
Esta possibilidade permite identificar ganhos potenciais significativos para processos que hoje são, em geral morosos e sujeitos a erros. Os processos de picking para formação de carga podem ser radicalmente mais eficientes com o uso de tags identificadoras, seja por produto, por local de armazenagem, por container ou pallet. E este ganho persiste ao transportar não apenas a carga, mas também sua identificação. Um veículo poderia ser capaz de identificar seu conteúdo, levando o mesmo à validação num sistema qualquer. A cada entrega o mesmo pode ser feito, evidenciando se houve erro no processo ou não. Esta leitura de conteúdo poderia ser utilizada em barreiras, de forma a evitar a inspeção visual, garantindo também à fiscalização que o conteúdo do veículo está de acordo com a documentação.
Diálogos diferentes
No universo logístico descrito aqui, a comunicação com a troca adequada de dados entre sistemas é fundamental. A construção destes canais, portanto, fruto da visão inevitável de que o conjunto de processos implicará necessariamente em sistemas distintos para cobrir todos os seus aspectos e demandas, indica que o velho conceito de interfaces deve evoluir para um novo modelo no qual a conexão de sistemas possa ser feita sem um esforço maior, sem caracterizar nesta conexão uma “emenda” na qual existam perdas, de segurança e de informações.
O mecanismo que mais se aproxima dessa comunicação fluida entre sistemas hoje é a utilização de web services seguindo determinados padrões, que permitem aos sistemas conversarem, se consultando ou alimentando de dados que permitem com que cada ambiente possa realizar seu potencial e que os usuários tenham uma perfeita visão do todo ou da parte do fluxo logístico que lhes concerne trabalhar. Curioso é que mesmo em sistemas de gestão integrados, às vezes sua operação em módulos acaba por criar feudos de informação que apenas com o uso de portais de visibilidade ou soluções de BI (business inteligence) podem ser rompidos.
Na mesma direção, mas mudando o foco do ambiente intra-empresa para o universo dos mercados, a reunião de dados de um mesmo segmento para que este possa operar otimizando recursos é algo que ainda não se conseguiu disponibilizar, mesmo tendo-se a tecnologia para tal totalmente disponível. Exemplificando: hoje, ter um ambiente único para visualizar os processos de entrega nos diversos níveis dos players vinculados ao fluxo logístico é apenas utopia. Uma transportadora disponibiliza dados para seus clientes embarcadores no seu portal, mas não há um “portal das transportadoras” no qual todas possam depositar dados a serem partilhados por seus diversos clientes para que tenham uma visão do conjunto dos transportes contratados por cada um, mantendo-se, é claro, as restrições de segurança e de privilégio do acesso à informação, assegurando o sigi-lo que cada empresa embarcadora deseja preservar quanto à natureza de seus embarques e entregas. Ou seja, apesar de partilhar o mesmo ambiente, cada empresa vê apenas seus próprios dados, mas ofertado por todas as transportadoras contratadas num ambiente único. Da mesma forma, muitos embarcadores entregam informação a seus clientes destinatários, apresentando suas entregas em portais. No entanto, cada destinatário tem que acompanhar as entregas a ele direcionadas de forma fracionada, quando o lógico seria poder acessar um ambiente único, vinculado ao conjunto de fornecedores do seu segmento de negócio, no qual todas as entregas estão disponíveis, independentemente do embarcador de origem.
Essa teia de inter-relacionamentos, a que chamamos de portais horizontais por segmento de negócio, exige a ruptura de paradigmas técnicos e comerciais, muito mais pelo aspecto do que é hábito do que pelo da inovação. O mesmo ocorre com diversas outras oportunidades de aproveitamento da tecnologia no mundo logístico, desperdiçadas pela dificuldade de elencar os ganhos e de romper as barreiras que nos deixam imobilizados frente a soluções criativas apoiadas por recursos tecnológicos já existentes.