Sete Passos para Gerenciar seu Supply Chain

4 de maio de 2014, by , Posted in Notícias, Comentários desativados

Uma agenda de sete passos para transformar seu modelo de gestão e gerar valor com a aplicação efetiva do Supply Chain Management

O conceito de Supply Chain Management (SCM) ou Gestão da Cadeia de Suprimentos não é novo [1,2]. Várias definições podem ser encontradas na literatura, assim como diferentes modelos de processos [3,4,5]. Todavia, o número de casos de sucesso, em que pode se verificar a transformação da gestão da empresa de um modelo departamental/funcional para um modelo de cadeia são desproporcionalmente menores do que o número de artigos e referências existentes na literatura. Este artigo busca apresentar de maneira resumida sete passos que podem e devem compor a agenda atual de um executivo responsável pela área ou por um projeto de Supply Chain Management, assim como descrever algumas tendências dessa agenda. Apesar de boa parte da literatura citar a cadeia em uma perspectiva de colaboração entre empresas, este artigo irá tratar a visão da cadeia interna, ou seja, dentro de uma empresa, visto que não existe colaboração efetiva com outras empresas se as áreas internas não colaborarem entre si. Muito mais do que uma revisão da literatura sobre o tema, esses sete passos são fruto da observação e da ação em projetos de transformação em grandes empresas brasileiras, nas quais essa agenda foi comum em menor ou maior grau.

Supply Chain: gestão em transformação

Para que se possa apresentar e discutir a proposta de sete passos, torna-se necessário definir um pouco melhor o entendimento sobre Supply Chain Management (SCM). De maneira resumida, SCM é a gestão de uma empresa orientada para seus fluxos de agregação de valor e não para suas funções. Obviamente, esse fluxo é constituído de diversas funções, mas seu foco está em como essas funções se conectam, integram, colaboram, etc. Na realidade, muitos dos grandes temas dos últimos anos no mundo da gestão vêem da observação de que existem inúmeras oportunidades estratégicas e operacionais da visão por fluxos de uma empresa: Reengenharia, Sistemas Integrados de Gestão (ou ERP − Enterprise Resource Planning), Manufatura Enxuta (ou Lean Manufacturing) [6,7,8,9]. E esses temas encontraram uma série de barreiras para sua aplicação, semelhantes ao que encontramos no SCM. A palavra fluxo aqui pode ser usada como sinônimo do que muitos autores usaram e ainda usam para palavras como cadeia ou processos de negócio. O fluxo que melhor representa didaticamente o SCM é o Order to Delivery (OTD), ou da entrada de pedidos até sua entrega no cliente. Pode-se até estendê-lo para o Order to Cash que inclui a quitação dos títulos encerrando o ciclo financeiro do pedido. Para um fim didático, ambos os fluxos serão usados igualmente. Se for estudado detalhadamente o fluxo OTD, poderá se notar que as decisões mais importantes do ponto de vista das operações de uma empresa passam por ele:

  • Quais pedidos aceitar? Os mais rentáveis? Os mais estratégicos? Os de maior volume? Os que constavam na previsão de vendas? E quem decide o que é rentável ou estratégico? Isso está formalizado?
  • Como os serviços de uma empresa estão firmados nesse pedido? Sua confiabilidade de prazo? Sua flexibilidade no atendimento? Sua rapidez de entrega? Sua especificação de produtos?
  • E como a cadeia interna da empresa está preparada para esse pedido? Existe o estoque na quantidade e no local correto? Existe capacidade operacional de logística e de fábrica para absorver esse pedido? A cadeia foi preparada com a antecedência necessária? Note que essas perguntas remetem tanto a questões estratégicas quanto táticas e operacionais, e daí a importância do Supply Chain e de seu modelo de gestão [9]. Ele deve ser capaz de responder a questões que vão desde o aspecto comercial, passando pela logística e produção, chegando até seus fornecedores. Igualmente o modelo de gestão deve alinhar o nível estratégico até operacional. Em várias empresas de sucesso, o modelo de como essas respostas são dadas está no centro de seu modelo competitivo, ressaltando que o Supply Chain pode ser usado como o principal diferencial competitivo de uma empresa, e não somente como um processo de ganhos de eficiência [10,11,12]

Analisando o histórico recente de implementações de projetos de Reengenharia, ERP, Lean e mais especificamente de SCM, e sempre com o “pano de fundo” de uma visão das empresas por fluxos, talvez a causa-raiz na dificuldade de sua aplicação esteja na gestão das variabilidades ou incertezas de seus fluxos. Essas variabilidades, que tornam a tomada de decisão incerta e complexa, é que levam os executivos, gestores e operacionalizadores das funções a “abrir mão” da visão do fluxo para permanecerem na visão de sua função, facilitando seu papel individual, mas aumentando exponencialmente a dificuldade do papel principal de uma empresa: atender seus clientes e acionistas. Clientes e acionistas são atendidos por fluxos e não por funções. Tome-se o conceito de Six Sigma para que o tema gestão das variabilidades seja reforçado. O tema Lean/Six Sigma encontra forte aplicação internacionalmente, pois justamente une a visão de gestão por fluxos (Lean) com a gestão por variabilidades (Six Sigma). E por que a visão de função ainda é tão mais forte do que a visão por fluxos? Uma resposta já foi dada: a facilidade para se tomar decisão. Outra, mais profunda e enraizada, é que a própria visão funcional é recente, ou seja, o mundo ainda vê na função uma novidade. A visão funcional não existia no modelo artesanal, pois este realizava todas as funções. Ao se quebrar o modelo para a linha de produção em série, há aproximadamente 100 anos, não existiam as funções como hoje as conhecemos. Peguem-se os campos da Engenharia de 100 anos atrás e compare com hoje, nota-se o grau de especialização que foi criado. A novidade e carência há 100 anos não era o fluxo, mas sim como isoladamente vender, entregar, produzir ou comprar em uma escala antes não imaginada. Nessa carência, foram criados modelos de pesquisa, educação e gestão, corretamente desenvolvidos para a necessidade daquela época, mas que talvez atualmente deixem de ser os mais apropriados. Nota-se, portanto, que vender, produzir, entregar ou suprir não são processos, mas sim subprocessos do processo maior de atender um cliente. Porém, é possível afirmar que dessa vez a visão por fluxos pode ser mais bem-sucedida do que anteriormente? Sim e por uma razão de estrutura organizacional. Diversas empresas, senão a maioria delas, criam áreas ou departamentos de Supply Chain Management, mesmo que sob diferentes nomes. Fato é que o Supply Chain Management está inserido na estrutura organizacional das empresas, claramente com uma ligação próxima ou direta à presidência de uma empresa, e essa área está acirrando ainda mais, com as tradicionais áreas da empresa, o conflito da visão funcional versus a visão por fluxos. Vale destacar que se não existe ainda consenso sobre o nome da área de Supply Chain nas empresas, também não existe consenso sobre quais as funções que se reportam a ela. De maneira geral, pode-se encontrar áreas que abrangem: compras, logística, planejamento de vendas e operações (S&OP), serviços a clientes, gestão de atendimento e ordens (Order Fulfillment) e Lean/Six Sigma.

Para que fiquem mais claros os papéis de gestão de fluxos e variabilidades de uma área de Supply Chain, quatro papéis básicos podem ser propostos:

  • Visibilidade: é tornar o desempenho do fluxo, e não das áreas, claro para toda a empresa. Aqui, são usados fortemente indicadores de fluxo, tais como OTIF (On Time/In Full) e Necessidade de Capital de Giro (Estoques, por exemplo). Outro indicador fundamental são as variabilidades do fluxo, ou seja, planejado versus realizado de cada área e suas correlações;
  • Alternativas: uma vez visível o desempenho do fluxo, surgem naturalmente diversas encruzilhadas (ou trade-off). Qual a melhor relação entre atendimento ao cliente e custo de servir? Qual a melhor relação entre custo logístico e de armazenagem? O papel do Supply Chain aqui é deixar claro que não existem mágicas, mas sim alternativas;
  • Decisão: uma vez propostas as diferentes alternativas para um fluxo, cabe ao Supply Chain criar e gerenciar fóruns de decisão compartilhados, em que a decisão funcional seja trocada por uma decisão de fluxo, porém baseada em fatos (alternativas) para que as incertezas e riscos da decisão sejam condensadas entre todos. É nesse papel que um verdadeiro líder ou executivo de Supply Chain tem sua capacidade de liderança do processo provada ao máximo;
  • Constância: uma vez tomada uma decisão orientada para o fluxo, ela tem de ser seguida e respeitada. Aqui, a visão funcional tem de ser trocada pela visão de fluxo e o respeito e a constância do que foi decidido em conjunto deve ser priorizado. Nesse momento é que questões estruturais são questionadas, tais como indicadores para remuneração variável ou critérios de promoção.

Esses quatro papéis básicos do Supply Chain geram uma relação de confiança de discussão técnica e factual entre as áreas, antes em constante conflito. Com isso, uma série de proteções e descontinuidades são eliminadas e a ligação entre as áreas é fortemente estabelecida. A eliminação das proteções tem como resultado imediato um menor estoque e tempos de execução, culminando em menor necessidade de capital de giro para o mesmo desempenho operacional. Já a maior integração entre as áreas permite um tempo e qualidade de reação melhores, pois rapidamente uma variabilidade detectada em uma área é sentida em outra e a existência de alternativas previamente estudadas com fóruns adequados de decisão tornam uma reação melhor e mais rápida. Qual o benefício de negócio a ser esperado por uma empresa que transforma sua gestão para um modelo de Supply Chain? Melhores resultados de negócio com menor necessidade de capital de giro. Obviamente que para isso a empresa deve ter suas prioridades estratégicas conhecidas, do contrário as decisões irão se nortear com o curto prazo, o que torna a gestão da cadeia impossível. Um bom exemplo é que após 14 meses de um projeto de transformação, em uma grande empresa brasileira de seus processos de OTD e S&OP, foi possível melhorar o atendimento ao cliente em 30% com uma redução de estoque em 45%.

Os setes passos para transformação

Como visto anteriormente, o papel e a realidade de Gestão de um Supply Chain é contemporâneo e em desenvolvimento, todavia sua oficialização na estrutura organizacional das empresas é uma tendência clara. Com isso, a visibilidade da dificuldade de se tomar decisões que envolvem trade-offs tradicionais nas empresas cresce e, por vezes, também elevam o acirramento de conflitos entre áreas e pessoas. O profissional responsável pela Gestão de um Supply Chain trata intensamente de uma série de conflitos entre as diferentes áreas de uma empresa e, portanto, uma agenda de transformação é obrigatória. A escolha correta dos tópicos e passos dessa agenda pode mudar a rotina de um Gestor do Supply Chain de reativa e desgastante para fortemente proativa e de obtenção de resultados expressivos de negócios. A seguir, sete passos de uma agenda para transformação da Gestão de um Supply Chain são propostos. Esses sete passos são enumerados como uma sugestão de seqüência, sem contudo que necessitem ser exatamente seguidos dessa forma. Outro ponto importante é que eles são relacionados e complementares, ou seja, devem ser utilizados conjuntamente.

Passo 1. Defina as crenças sob as quais a gestão irá se basear.

O conjunto de crenças que é encontrado nas empresas ainda reflete e propaga fortemente uma visão funcional. Várias e diversas são as evidências, mas todas refletem de maneira geral uma busca pelo ótimo local e não da cadeia interna da empresa. A esse conjunto de crenças funcionais e de ótimos locais pode-se chamar de um “mapa do inferno” da cadeia, já que se diz popularmente que “o caminho do inferno está pavimentado de boas intenções”. Muitas empresas trabalham entusiasticamente e arduamente, mas suas crenças levam a cadeia para um desempenho ruim. O “mapa do inferno” inicia com a crença de que um cliente deve sempre ser 100% atendido. Essa crença pressupõe que tudo pode ser feito em nome do cliente: alterações de pedidos, datas, quantidades na hora em que for necessário. Essa variabilidade se propaga internamente na cadeia causando uma instabilidade intensa e extremamente prejudicial. A segunda crença é sobre a demanda. Poucas empresas possuem um consenso interno do que seja demanda: pedidos ou carteira? Vendas projetadas? Metas de vendas? Potencial de mercado? Independentemente da falta de consenso, o que existe em comum é que como essa demanda muda muito e sempre, todo o esforço em prevê-la e planejá-la é em vão, pois ela está sempre errada. Assim, o importante é estar preparado para reagir a ela. Novamente essa crença leva a se permitir um grande número de alterações no curto prazo, e que se somada à crença anterior, de 100% de atendimento do cliente, propaga ainda mais a variabilidade que tem de ser absorvida pela cadeia interna. Já a terceira crença se refere aos estoques. Não raro ouve-se que o estoque bom é o estoque zero e que todos aqueles que o reduzem recebem elogios. Porém, novamente poucas empresas entendem o que são estoques e que existem diferentes tipos com diferentes métodos de cálculo: de segurança, sazonal, em trânsito, estratégico, etc. Estoque na realidade é uma conseqüência de como a cadeia é gerenciada, pois servem primordialmente para absorver variabilidades. Eles são um mal necessário, principalmente no caso de cadeias com muita variabilidade, que se não for sistematicamente entendida e eliminada, nunca se saberá internamente qual o dimensionamento apropriado de estoques, tornado-se um estoque sentimental, ou seja, adequado para absorver as inseguranças pessoais dos gestores dos elos de uma cadeia. A quarta crença é de não se permitir capacidades ociosas na cadeia, seja de fornecedores, máquinas, dispositivos, caminhões, operadores, etc. Recurso bom é aquele que produz a carga total. Assim, considerando as três crenças anteriores, não existe nessa cadeia nenhuma entidade focando a causa das variabilidades e nem tampouco as absorvendo, mas sim as propagando. A variabilidade é o “mico” da cadeia, mas que ninguém se preocupa em tirar do jogo ou então de definir quem ficará com ele. Ele passa de elo em elo, e quem é prejudicado é o desempenho da cadeia. Portanto, na agenda de um gestor de Supply Chain, deve constar que as variabilidades existem e que deve ser feita uma escolha com qual variabilidade a empresa vai viver: alterações de pedidos, mudanças de produção, etc. Parar de brigar sempre pelas mesmas coisas, mês após mês, já é uma grande feito. Torna-se obrigatório na agenda de transformação de um gestor de cadeia mapear as crenças existentes em sua empresa, e definir novas crenças que permitam que os processos de gestão sejam devidamente enraizados ao longo do tempo. Determinados comportamentos devem ser explicitamente definidos como inadmissíveis e uma política de conseqüências deve ser previamente estabelecida, assim como uma premiação pelo seguimento e cumprimento das novas crenças deve ser criada.

Passo 2. Estabeleça uma visão do que vai ser obtido com a transformação e qual o papel de cada área nessa nova realidade.

Como uma transformação de cadeia tem como pressuposto que os seus elos trabalhem colaborativamente, todos os elos devem ser consultados e envolvidos desde o início para que entendam como será a realidade da empresa a partir do momento que um modelo de gestão de cadeia funcionar. Os elos devem ter claramente entendido o que poderá ser feito ou não com o novo modelo. Não raramente encontram-se projetos em que já no início identifica-se que não haverá sucesso, pois o que um elo espera ao fim é contraditório com o que outro espera. Um exemplo é uma área de vendas com a expectativa de aumento da flexibilidade, a área financeira de redução de estoques e a produtiva de uma maior estabilidade na produção, simultaneamente. O claro alinhamento entre as áreas sobre o que irá acontecer é fundamental para que os elos puxem uma cadeia no mesmo sentido. Sem isso, não há modelo de gestão que resista. Esse alinhamento deve ser norteado pela agenda de negócios da empresa, ou seja, por sua estratégia. Nesse alinhamento, deve ser comunicado qual será o papel dos elos da cadeia. Aqui, se torna crítico o bom entendimento da proposta de valor da empresa. Ela irá direcionar muito do que será feito em termos de gestão do Supply Chain. Dependente da estratégia, até mesmo a variabilidade da cadeia possa ser parte integrante da sua gestão e, ao invés de eliminá-la, faça parte do negócio deixando-a elevada, mas gerenciável, e fazendo parte da estratégia de Supply Chain da empresa. A variabilidade fora do previsto, não-gerenciável e mascarada é que prejudica todo o desempenho da gestão por fluxos. Para que esse alinhamento ocorra não só no início de um projeto, mas durante todo o seu decorrer e mesmo após sua entrada no ar, devem ser adotados uma metodologia de transformação e um modelo de gestão por processos. A correta escolha é essencial para a garantia do sucesso de um modelo de gestão de cadeia. Outro elemento fundamental é a escolha de indicadores de negócio que deverão ser positivamente impactados pela transformação. Finalmente, pode-se recomendar que seja implementado logo no início de um trabalho de transformação um cockpit de indicadores de cadeia, para que a evolução possa ser medida e comunicada. Não existe resistência que ceda a bons resultados efetivamente medidos e comunicados.

Passo 3. Implemente imediatamente um programa de capacitação conceitual para toda a empresa.

Para que a troca de crenças e o alinhamento ocorram, as principais pessoas da empresa e de suas áreas devem conhecer os conceitos de Supply Chain, sempre na proporção correta. Não é desejável e recomendável que se transforme todo participante da cadeia em um especialista de Supply Chain, mas os conceitos básicos devem ser conhecidos e assimilados. Pode-se afirmar, pela experiência em projetos de transformação, que o problema de transformação de gestão de um Supply Chain não se dá pela falta de soluções para a complexidade, e sim pela falta de conceitos básicos. Um programa conceitual deve ter idealmente os seguintes temas: processos de negócios, lógicas de Supply Chain, tecnologia da informação e comportamentos individuais e de grupo. O tema processos de negócio abrange os conceitos de se trabalhar por fluxo e não por função. São conceitos já relativamente conhecidos, porém pouco praticados. Deve-se dar atenção especial ao fato de que processos são estruturados e outros não estruturados, e que cada um é gerenciado diferente. Processos estruturados são tipicamente rotinas e podem facilmente ser transformados em sistemas automatizados. Já processos não-estruturados são negociações e devem ser tratados em fóruns de discussão. Um processo interáreas em empresas sempre possuem os dois tipos de processos e, por isso, sempre serão uma soma de sistemas com pessoas. Já o tema de lógica de Supply Chain aborda as técnicas, métodos, filosofias que uma empresa adota. Esse tema é fundamental para que o novo modelo de gestão seja corretamente operado. Uma empresa deve ter alguns especialistas e muitos generalistas em lógicas de Supply Chain. Poder-se-ia relatar inúmeros problemas que as empresas enfrentam pela falta de entendimento da lógica de Supply Chain, sendo talvez o mais simples a dificuldade que é se implementar um sistema de ERP nas áreas operacionais (vender, produzir, entregar, suprir, etc.). O ERP possui uma lógica de processos e se as empresas e seus elos não a entenderem, todo o processo estará repleto de planilhas eletrônicas após seis meses de implementação, pois a lógica integrada de um ERP é desligada em nome do atendimento das necessidades funcionais. O tema tecnologia refere-se exatamente ao mencionado anteriormente. As pessoas devem ter um conhecimento não da ferramenta em si, mas sim da lógica dela e do que o sistema pode ou não fazer. E principalmente do que é preciso fazer para que o sistema funcione e suporte a lógica de processos. Sistemas avançados de Supply Chain, caracterizados por serem analíticos, não se sustentam sem uma forte disciplina de limpeza contínua de dados. Já os sistemas transacionais criam essa disciplina de forma mais obrigatória, porém podem ser entendidos como um acréscimo de trabalho se seu benefício para o todo não for entendido. Finalmente, o tema comportamental deve ser trabalhado para que as novas crenças sejam incorporadas. Trata-se de uma capacitação-chave para que processos interáreas sejam criados. Normalmente, jogos de empresa são um método eficiente para esse tipo de treinamento, pois simulam situações em que as crenças podem ser entendidas, trabalhadas e modificadas.

Passo 4. Trabalhe fortemente no entendimento e redução das variabilidades de sua cadeia.

O maior entrave em um fluxo é uma descontinuidade não planejada, incerteza ou variabilidade. Essas variabilidades fazem com que decisões fora do fluxo sejam tomadas e assim um resultado esperado não seja atingido ou um tempo maior requerido seja necessário. Elas são a maior dificuldade em se organizar uma empresa por fluxos. Para um gestor de fluxos, que é o caso do Supply Chain, o ótimo entendimento das variabilidades da cadeia e sua visibilidade para todos que participam desse fluxo é essencial. E, nesses casos, um bom sistema de gestão integrado, como os sistemas ERP, não são suficientes, pois eles o ajudam a gerenciar um fluxo dado um determinado conjunto de variabilidades, porém não o ajudam a reduzir ou eliminar. Um exemplo é o cadastro de lead time, em que o tempo de fila é um tempo médio. Portanto, a variabilidade intrínseca da espera fica armazenada nesse tempo cadastrado que, todavia, não é reduzido sistematicamente. Assim a variabilidade é perpetuada no sistema. É portanto essencial para um gestor de Supply Chain ter em seu plano de transformação uma iniciativa, ou então participar de uma, em que as variabilidades sejam explicitamente representadas e eliminadas, ou pelo menos, diminuídas. Projetos de Six Sigma e Lean Manufacturing são um bom exemplo, mas projetos de Qualidade Total extensa a todos os processos da empresa, dentro de uma visão de fluxo, podem também auxiliar. Não é à toa que na maioria dos congressos internacionais e Supply Chain o tema Lean/Six Sigma seja um dos principais. Outro ponto fundamental, e que cabe principalmente ao gestor do Supply Chain, é fazer a correlação entre as variabilidades, usando modelos matemáticos. Nessas análises, é possível se avaliar qual das variabilidades tem maior peso na variabilidade total da cadeia.

Passo 5. Comece pela organização da lógica dos fluxos, entendendo e alinhando como as decisões são tomadas, integradas e desdobradas.

Com os quatro passos anteriores, as condições estruturais para se desenhar os processos estão criadas. Todavia, a palavra processos, pelo seu intenso uso nos últimos anos, pode estar desgastada. Assim, será usado o termo lógica de fluxo, que utiliza muito dos conceitos de processos de negócio. A vantagem do uso do termo lógica de fluxo é que sua representação não é exclusivamente obtida pela parte estruturada e explícita de um fluxo (que é o caso dos processos de negócio e seus desenhos), mas também pela parte não-estruturada de fluxo ou então tácita, de difícil representação. Representar os processos estruturados dentro de uma lógica de fluxos é a mais simples, porém a não-estruturada requer abordagens diferentes de representação. Uma sugestão de representação da parte não-estruturada de uma lógica de fluxos é o desenho das diferentes reuniões que existem nos fluxos, compostas por suas pautas, decisões, informativos, participantes e funções. Cada empresa cria uma lógica própria, principalmente por causa da parte não-estruturada, que é fortemente influenciada pelas pessoas e suas crenças. Todavia, os conceitos são muito semelhantes, reforçando o passo 3 citado anteriormente. Não é raro que em reuniões com as empresas estas se achem únicas e diferentes de todas, mas ao fim percebem e reconhecem que suas particularidades são exceções e que muitos conceitos gerais podem ser usados em suas lógicas de fluxo. Uma vez representada sua lógica de fluxo atual e desejada, cabe uma ação muito forte de alinhamento entre todos da cadeia, para que a lógica seja implementada e traga os resultados possíveis. Esse alinhamento é demorado e requer ações muito fortes de acompanhamento, já que a tendência de se retornar a lógica funcional é muito forte. Esse alinhamento deve ser feito em um modelo de espiral, ou seja, inicia-se com o bom e volta após volta busca-se o melhor. Ações de grande impacto geram um resultado enganoso de curto prazo, pois a tendência natural é retornar a lógica funcional. Aqui, é testado o limite da perseverança do gestor. Uma boa forma de se iniciar essa espiral é juntar as pessoas-chave da cadeia e mostrar a hierarquia de planejamento da empresa, ou seja, qual a lógica de fluxo que é responsável por qual horizonte de tempo, e quais os elementos básicos dessa lógica, como exemplos: horizonte de tempo, freqüência de ocorrências, nível de agregação das informações, principais indicadores, entre outros. Nessa hierarquia também é representada como cada lógica de tempo se desdobra na lógica inferior, garantindo que as decisões de longo prazo estejam alinhadas com as decisões de curto prazo e vice-versa. A hierarquia de planejamento deve estar, em todos os níveis, contribuindo para o dilema principal: qual a melhor relação entre atendimento ao cliente versus seu custo de servir. O atendimento e o custo de servir passam pelo nível estratégico, com decisões de, por exemplo, quais mercados atender e qual o desenho de cadeia que se deve ter (número e localização de plantas e centros de distribuição), até decisões de médio prazo com a determinação do capital de giro a ser disponibilizado para atender os clientes. Por fim, em como atender aquilo que foi definido no pedido de seu cliente. O atendimento do cliente deve ser claramente formalizado por intermédio do estabelecimento de um nível de serviço, no qual os atributos valorizados pelo cliente são pesquisados e seu atendimento formal é proposto. Por outro lado, as empresas devem investir no entendimento de seu custo de servir e não somente de transformação. Ao se implementar o custo de servir, ficam mais claras as reais margens de uma cadeia. Um bom desenho de lógica também é um elo essencial para as ferramentas de TI que irão suportar a lógica de fluxos. Ao se fazer o desenho e proposta de lógica, deve ser conhecida a ferramenta que será usada como suporte, pois a lógica pode ser muito alavancada ou limitada pela ferramenta a ser usada.

Passo 6. Inclua a tecnologia da informação em sua visão de transformação, mas certifique-se de implementá-la no momento correto.

É comum encontrar transformações de Supply Chain iniciadas pela implementação de um sistema. Não existe nada de errado nessa abordagem, mas o risco é muito grande. O risco reside no foco que é dado à transformação. A maior transformação que ocorre em um Supply Chain não é de sistema, mas sim de lógica: da funcional para a de fluxo. Essa lógica não é influenciada somente por sua parte estruturada, mas também e principalmente pela parte não-estruturada. Nas empresas em que as crenças funcionais ainda são muito fortes, transformar a parte estruturada, via sistema, e a não-estruturada simultaneamente é quase uma certeza de insucesso. A prática mostra que a empresa tende fortemente a valorizar equivocadamente a transformação da parte estruturada. Sem que se tenha uma comprovação clara, pode-se afirmar que as pessoas entendem e se relacionam com maior facilidade com a parte estruturada, pois ela tem um perfil estruturado. A maioria dessas pessoas fez curso de ciências exatas e busca soluções desse tipo para seus problemas. Todavia, a transformação de lógicas se dá eminentemente na parte não-estruturada. E por isso é recomendado no passo 2 a adoção de uma metodologia de transformação, complementar a uma de projeto, pois tendem a dar um foco claro na parte não-estruturada das transformações. Não existe a gestão do Supply Chain sem uma boa ferramenta de TI que a suporte, mas sua implementação deve ser muito bem planejada. Novamente, a lógica de fluxo já deve estar implementada e seus participantes devem então pedir uma ferramenta de lógica de fluxo, pois aí o foco em sistemas estará no momento correto. Vale lembrar que em Supply Chain existem basicamente dois tipos de sistemas: transacionais e analíticos. Os transacionais auxiliam na automação de processos repetitivos e reduzem o esforço operacional e de seu tempo de execução, garantindo também a integridade e a consistência de dados. Já os analíticos usam esses dados para gerar informações e conhecimento para a busca e geração de alternativas e assim melhorar significativamente a qualidade das decisões. Assim, antes de se pensar em ferramentas analíticas de Supply Chain, base do que se chama hoje de Advanced Planning Systems (APS), o sistema transacional deve funcionar corretamente bem como, e principalmente, seus dados e suas rotinas de atualização de dados. Os sistemas APS não funcionam em ambientes nos quais os sistemas transacionais e seus processos de limpeza de dados não funcionem corretamente.

Passo 7. Questione a forma como as pessoas são medidas e avaliadas e busque um alinhamento entre função e fluxo, formalizando papéis e responsabilidades.

O último passo, porém igualmente crítico, é o de se questionar a forma como os resultados das pessoas e áreas são reconhecidas atualmente. A possibilidade que isso ocorra dentro de um ambiente em que a lógica funcional seja valorizada é muito alto. De maneira geral, a era da indústria em escala criou um modelo de gestão em que mais é bom, ou seja, vender, produzir, entregar e comprar mais sempre é sinal de bom resultado. Na lógica de Supply Chain, isso pode ser verdade, mas pode também não ser. Muitas empresas criam condições extremas de risco ao aceitarem volumes não possíveis de vendas e produção, dando sérios prejuízos no atendimento ao cliente. Mas como talvez elas estejam mesmo assim gerando lucro, se iludem que o mais está sendo melhor. O correto seria mais, com menos (capital de giro), melhor (medido pelo nível de serviço ao cliente) e mais rápido (medido pelo tempo de atendimento). Esse três indicadores acontecendo simultaneamente são o melhor demonstrativo que a lógica de fluxo está implementada no lugar da lógica funcional. Voltando a questão de como as pessoas e áreas são medidas, existe uma grande tendência de se avaliar sua contribuição individual para o aumento dos volumes e não para a gestão do fluxo. Cabe ressaltar que as tentativas de se medir a todos pelo fluxo têm sido extremamente complexas, por um raciocínio muito paradoxal. Tome-se o indicador OTIF como um indicador de fluxo e use-o como indicador para a remuneração variável dos executivos das áreas funcionais (vender, produzir, entregar e suprir). Apesar de haver um reconhecimento de que o OTIF representa um importante indicador de satisfação do cliente, todos argumentam que eles contribuem parcialmente para o sucesso do indicador e que não é justo ser cobrado pelo todo. Mas ao mesmo tempo todos fazem parte do fluxo que é fundamental para o cliente. Quem então deve ser cobrado e premiado pelo bom desempenho de um fluxo em uma empresa? Assim uma das atividades mais complexas na transformação de um Supply Chain é criar um modelo complementar de avaliação e bonificação que atenda às necessidades de uma lógica de fluxo. Uma vez estabelecido o alinhamento, os papéis e responsabilidades devem ser reescritos e formalizados para que essa alteração seja perpetuada.

Fonte: Revista Mundo Logística





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